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Ovinocultura na altura. Parte I – O cenário

*Steffan Edward Octávio Oliveira é mestrando em zootecnia pela Unesp de Jaboticabal e atualmente está em pesquisa na Universidade de Edimburgo, na Escócia. Está acompanhando o sistema de produção de ovinos da raça Black Face nas montanhas escocesas, na região de Crianlarich, meio norte da Escócia. Escreverá uma série de artigos sobre a realidade contrastante da ovinocultura do país.

A chegada a Crianlarich ficou marcada por olhares que se perdiam na imensidão. Uma paisagem que combinava tons de um marrom apático, um verde revigorante a um branco, que se destacava lá no alto. A neve que ainda não havia derretido nas partes mais altas das montanhas atraia a atenção por alguns segundos, sendo logo interrompida pelo som que os inúmeros córregos produziam nas partes mais baixas, distribuindo água em todas as direções.

Rochas gigantes e um vento bem gélido já completariam um cenário deslumbrante, se não fosse o ponto forte. Olhando-nos com imponência do alto de uma colina estava um ovino Blackface. Chifres longos, pelo branco comprido e bem denso contrastando com a sua cara preta, que nos apontava curioso. Foi quando pensei: “Finalmente me sinto na Escócia!”.

Crianlarich é uma pequena aldeia localizada no centro oeste escocês, a aproximadamente três horas de trem da capital Edimburgo. Como quase todo o território escocês, esta região é caracterizada pela sua topografia montanhosa. Razão pela qual durante centenas de anos milhares de pessoas escolhem esta como destino para escaladas, trilhas, camping etc, sendo considerada um dos “portões” de entrada para as Highlands Escocesas. No coração desta região estão as fazendas Kirkton e Auchtertyre, pertencentes à Scotland Rural College (Hill and Mountain Research Centre – SRUC), com uma área de 2.200 hectares. O rebanho atual compreende aproximadamente 1.600 ovinos das raças Scottish Blackface e Border Leicester, os quais são usados em pesquisas na área de comportamento, nutrição, emissão de gases de efeito estufa, entre outros.

Após chegarmos no topo da colina onde aquele grande macho imponente nos fitava nos deparamos com uma vista magnífica. Centenas de ovelhas, muitas delas recém-paridas, espalhadas por e entre inúmeras montanhas e colinas. Uma parada para tomar um fôlego e observar aquele rebanho que realçava ainda mais o momento. Enquanto incontáveis pastavam, outros desciam as colinas encontrando muitos que de lá voltavam, tendo saciada a sede. Alguns deitavam em grandes rochas a fim de aproveitar o pouco do calor que elas guardavam sob um sol quase adormecido. Tudo transmitia uma ideia de harmonia, um panorama tão belo e perfeito. Mas as montanhas escondem uma realidade bem diferente do que mostram os cartões postais e as fotos de calendários.

Durante o primeiro dia na fazenda Kirkton, pudemos conhecer a verdadeira face da ovinocultura no país. Segundo o pessoal que trabalha ali, o inverno deste ano foi diferente de tudo que eles lembram. “Aquele gelo não deveria estar mais ali nesta época” diziam, apontando para o alto das montanhas. Nesta época do ano toda a vegetação já deveria está recomposta e os pastos bem verdes, e até as partes mais altas das montanhas sendo utilizadas. No entanto, as pastagens ainda não haviam voltado. Apesar das raças criadas nestas regiões altas serem bastante adaptadas a estas condições climáticas, o manejo se torna uma tarefa bastante árdua, especialmente no inverno. Nesta época do ano a temperatura chega a -15 C º e nas partes mais altas a temperatura é ainda bem mais baixa. Com as montanhas cobertas de gelo, os animais têm de ser manejados nas poucas áreas onde o relevo é regular, o que representa muito pouco da área total da fazenda. Outro grande desafio é a oferta de alimento nesta época. Como grande parte da agropecuária na Escócia se dá em regiões montanhosas, parte do território é inviável para produção de alimentos, e as dificuldades vão além. Estima-se que só este ano 25 pessoas tenham morrido nas montanhas só nesta região.

Com a chegada da primavera e os animais de volta as colinas qualquer manejo começa com uma boa e solitária caminhada. Como a maioria dos locais são inacessíveis para veículos, o manejo dos animais que precisam ser transportados, seja para cuidados veterinários ou não, tem de ser realizado por uma só pessoa. Das partes planas da fazenda é comum ver, bem lá no alto, um homem tocando alguns animais, algumas vezes um cão pastor é seu único companheiro.

Mas foi o homem quem despiu o verde que outrora cobria toda aquela paisagem. Montanhas quase nuas, estampadas com poucas árvores e muitas rochas, desenhadas sob um clima que agora já não apresenta mais padrões, deixando uma mancha de sangue branco difícil de sair. E como se não se incomodasse com as intempéries, lá de cima te olha curioso e com a sua cara preta, o imponente carneiro.

Fonte: Farmpoint

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